Política Fiscal em tempos de Covid-19
Segundo alguns economistas mais pessimistas, serão possivelmente tão devassadoras quanto aos efeitos ocorridos na grande depressão econômica de 1929.
foto: reprodução
Helton Kramer Lustoza
Procurador do Estado
Professor do Curso de Direito da UNIPAR
www.heltonkramer.com
As consequências econômicas da pandemia do COVID-19 ainda não são integralmente conhecidas, mas certamente serão negativas. Segundo alguns economistas mais pessimistas, serão possivelmente tão devassadoras quanto aos efeitos ocorridos na grande depressão econômica de 1929.
Normalmente as crises econômicas traziam efeitos mais negativos para o setor privado ou para o setor público, o que permitia um número maior de opções para que o governo utilizasse instrumentos para equalizar os meios de produção. Ocorre que a crise que estamos enfrentando traz um efeito prejudicial ao mundo inteiro – alcançando o setor público e privado -, o que vai gerar um momento desafiante para as empresas, trabalhadores e governos.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou relatório em que sugeriu diversas medidas a serem adotadas por governos em reação à crise provocada pela COVID-19. Entre as medidas sugeridas, consta políticas fiscais com o objetivo de criar liquidez da renda e reduzir os impactos negativos das medidas adotadas na contenção do vírus. Para isso, será necessário que os governos, em regime de colaboração, estabeleçam a adoção de estímulos fiscais para promover investimentos e consumo.
Infelizmente não existe uma fórmula única para todos os governos, sendo que as medidas adotadas irão variar em cada localidade, frente as diversas especificidades.
Outro estudo relevante foi recentemente realizado pelo Instituto Insper (fonte: núcleo de tributação – 2020), onde foi analisado 166 medidas tributárias adotadas por 43 países, chegando a conclusão de que os governos têm habitualmente adotado as seguintes medidas tributárias: 1) diferimento do tributo (50%); 2) redução da carga tributária (15,7%); 3) diferimento de obrigação acessória (11,4%); 4) redução de encargos moratórios (9,6%); 5) outras medidas (7,8%); 6) devolução de tributos (5,4%).
Aqui no Brasil, além do diferimento de tributos realizado pelo governo federal, a Câmara dos Deputados tomou a iniciativa de promover medidas para ajudar estados e municípios a combater a crise do coronavírus. O objetivo central seria um pacote de benefícios aos governos regionais, como recomposição de perdas na arrecadação de ICMS. Ocorre que a dúvida que permanece é: se a crise irá atingir todos os níveis do Estado, será que a União terá valores suficientes para garantir a ajuda necessária para os outros entes federativos? Não precisa de conhecimentos contábeis para perceber que a arrecadação é limitada e, em algum momento, a ajuda federal não será possível, salvo se houver aumento de tributos existentes ou criação de novas figuras tributárias. Seria aquela famosa frase “dar com uma mão e retirar com a outra”.
Penso que neste cenário não comporta aumento ou criação de tributos. Precisamos buscar alternativas que incentivem a sobrevivência das empresas e dos empregos que elas geram, os quais já se encontram na “UTI”, em decorrência da necessária quarentena. E certamente um aumento tributário nesta época iria levar as empresas para o “cemitério”.
Em discussão com vários especialistas, ouço argumentos de que as políticas fiscais estão muito aquém do necessário e a falta de coordenação entre União, Estados e Municípios, tem-se piorado o cenário econômico. Ademais, a ausência de sintonia dos governos, conjugada com medidas genéricas podem gerar efeitos colaterais de forma a atingir todos os contribuintes de maneira indiscriminada. É necessário que as medidas econômicas e fiscais sejam planejadas, sob pena de deixar de atender quem realmente precisa da ajuda do Estado, e beneficiar alguns que talvez pudessem sobreviver sem incentivos governamentais.
Além disso, o governo deve reconhecer que foi preciso ajuda da ciência e do mercado privado para otimizar as políticas públicas de saúde. Como noticiário do Jornal O Globo de 14/04/2020, o governo federal anunciou que o país já teria recebido R$ 2.2 bilhões de doações para o SUS utilizar no combate à pandemia. Situação em que o governo poderia apreciar a possibilidade de criar uma linha de incentivos fiscais para empresas que promoveram doações ou ajuda material para o SUS, como medida de contraprestação à ajuda recebida e abrir caminho para políticas similares.
Em linhas gerais, mais do que nunca, precisamos ter foco, mas certamente haverá um grande desafio na identificação das políticas fiscais adequadas para aquecer o mercado de cada uma das localidades envolvidas.
Certamente a arrecadação tributária será significantemente reduzida por muitos anos e veremos um desafio dos governos locais em buscar de forma insistente o aumento das receitas tributárias e obter, ao mesmo tempo, um sólido crescimento econômico do mercado. Não será fácil, mas com toda certeza, mais uma vez, os setores arrecadatórios do Estado serão protagonistas na tarefa de somar esforços para reestabelecer as finanças públicas e adaptar as cargas e estruturas tributárias depois da pandemia.
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