O “Quinto dos Infernos”

Durante o Século 18, o Brasil-Colônia era obrigado a pagar um valor alto em favor de Portugal, em razão de sua colonização. Esta cobrança correspondia a 20% sobre tudo o que fosse produzido em nosso território, ou seja, 1/5 das riquezas, por isso denomina

17/07/2021 11H30

foto: reprodução/arquivo

Helton Kramer Lustoza

Procurador do Estado

Professor do Curso de Direito da UNIPAR

www.heltonkramer.com

 

Durante o Século 18, o Brasil-Colônia era obrigado a pagar um valor alto em favor de Portugal, em razão de sua colonização. Esta cobrança correspondia a 20% sobre tudo o que fosse produzido em nosso território, ou seja, 1/5 das riquezas, por isso denominado de “quinto”. Esta cobrança feita por Portugal era tão odiada pelos brasileiros, que, quando se referiam a ela, chamavam de “o Quinto dos Infernos", simbolizando um sinônimo de tudo que era ruim.

Após diversos acontecimentos e muito tempo depois, ainda podemos perceber que a discussão continua, mas agora com outra roupagem. De acordo com estudos do IBPT e IPEA, é possível perceber que a carga tributária brasileira sobre vários produtos já atingiu patamares muito acima de 38%, ou seja, representando praticamente 2/5 (dois quintos) do seu valor, muito acima do “quinto dos infernos”.

E o que estamos presenciando são ânimos acirrados em torno da proposta de reforma do imposto sobre a renda apresentada pelo governo federal ao Congresso Nacional. Não há dúvidas quanto à necessidade de uma reforma tributária no Brasil, por várias razões, como a sua natureza imperfeita e sua excessiva incidência sobre o processo produtivo. Ninguém mais aguenta pagar valores tão altos sobre a renda, serviços e produtos necessários para a sobrevivência dos cidadãos. O país precisa de uma simplificação do sistema, que atualmente é muito confuso e pouco transparente para a população. É essencial que o contribuinte saiba o que está pagando e por que está pagando.

Outro objetivo a ser concretizado seria o estabelecimento de uma real progressividade e seletividade, sendo que o atual sistema é perverso com as classes mais pobres. Esta situação já foi denunciada em nossa coluna em outra oportunidade, cujo artigo foi intitulado “Sistema Tributário Brasileiro: Robin Hood as avessas”. Naquela ocasião demonstramos, segundo pesquisa do IPEA, que pessoas com renda mensal familiar de até 02 salários-mínimos, têm 53,9% de sua renda comprometida com o pagamento de tributos; sendo que, por outro lado, pessoas que ganham mais de 30 salários-mínimos, têm somente  29% de sua renda total comprometida com tributos.

O problema é que as propostas enviadas ao Congresso Nacional até o momento representam um verdadeiro “toma lá dá cá”, sendo que ao mesmo momento em que anunciam uma diminuição do Imposto de Renda das empresas, limitam as deduções do lucro real e tributam os dividendos. Também existe uma tentativa de praticamente eliminar a declaração simplificada do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, o que representa um verdadeiro retrocesso à justiça tributária.

Se há regimes ou situações que provocam alguma distorção no sistema tributário, que sejam diretamente enfrentados e de forma transparente, sem armadilhas ao contribuinte. Não se pode alterar todo sistema com o objetivo de corrigir questões pontuais, ainda mais se corre o risco de deixar a tributação ainda mais agressiva e injusta.

Estamos passando por uma pandemia e o momento é de preocupação com a questão de saúde pública e a sustentabilidade financeira das empresas e dos contribuintes individuais, sendo que a mudança do sistema tributário é um tema muito complexo que deve ser bem discutido antes de qualquer decisão, sob pena de criarmos outro “quinto dos infernos” ainda mais perverso.

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