HELTON KRAMER LUSTOZA
Professor do Curso de Direito da UNIPAR
www.heltonkramer.com
Nesta última quinta-feira, o Governo Federal entregou ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, a Proposta de Reforma Administrativa. Em geral, a proposta visa promover mudanças radicais no regime jurídico-administrativo, como a redução no número de carreiras, facilitação da demissão de servidores públicos, restrição da estabilidade para cargos típicos de Estado e criação de formas de contratação com prazos determinados.
Ninguém nega a necessidade de eliminar as distorções, comumente denunciadas nos meios de comunicação, acerca de funcionários públicos recebendo valores acima do teto remuneratório, outras vezes negligentes e relapsos, dentre outras situações que denigrem o setor público. Certamente, temos vários problemas no serviço público, sendo alguns até berrantes. São problemas que devem ser corrigidos, até mesmo com a demissão, se for necessário, em respeito ao princípio do republicanismo e da isonomia.
Em um momento anterior, o então presidente Fernando Henrique Cardoso promoveu uma Reforma do Estado, trazendo inúmeras mudanças na estrutura da Administração Pública, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, planos de retirada do Estado de alguns setores da economia, concessões de Serviços públicos, etc. Mas entre estas medidas, tentou-se retirar a estabilidade dos servidores públicos, a qual declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, fortalecendo os primados constitucionais do concurso público, impessoalidade e indisponibilidade do interesse público.
A defesa da estabilidade ainda é justificável enquanto o patrimonialismo for dominante e a sociedade depender de uma atuação impessoal do Estado. Este problema cultural infelizmente ainda predomina na sociedade brasileira, tanto é que Sérgio Buarque de Holanda, na obra Raízes do Brasil, já afirmava que “...é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal” (HOLANDA, 1995, p 146). Enquanto muitas autoridades se utilizarem de sua figura para constrangerem agentes públicos, persistindo o velho hábito aristocrático que está impregnado na história brasileira, haverá necessidade de haver instrumentos de proteção aos executores dos serviços públicos.
Assim, alterar o sistema institucional por completo, retirando a estabilidade e outros institutos que asseguram a impessoalidade da Administração Pública, não acreditamos ser a solução. Até porque, além dos maus funcionários (os quais deveriam já ter sido extirpados do serviço público), existem servidores públicos que desempenham um trabalho de vital importância para a sociedade.
Precisamos rebater a falácia de que a estabilidade impossibilita a demissão de servidores públicos que não cumprem seus deveres, uma vez que ele poderá perder o cargo mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho (art 41, III CF). Isso deixa claro que a estabilidade pode dificultar, mas jamais impedir que servidores negligentes sejam desligados do serviço público. Esta dificuldade reside não no instituto da estabilidade, mas sobretudo na omissão condescendente dos seus chefes e dos próprios gestores públicos.
Ao longo destes anos que atuo na Advocacia Pública, tive a oportunidade de conhecer muitos servidores públicos íntegros e exemplares, os quais exercem com zelo as atribuições do cargo, observando todas as normas legais e regulamentares. Na minha própria atuação já enfrentei situações onde emiti pareceres jurídicos em defesa do interesse público que desagradou os governantes da época. E se inexistisse a proteção da estabilidade, certamente, minha carreira estaria com os dias contados.
A opinião pública é conduzida a acreditar que os serviços públicos são os verdadeiros vilões dos problemas nacionais. Certamente estas pessoas não imaginaram um sistema de saúde sem SUS, educação sem escolas públicas, sistema financeiro dependente de bancos privados e transporte dependente exclusivamente de empresários.
É essencial que, em vez de um desprestígio em relação as carreiras públicas, haja a criação de um planejamento e racionalidade administrativa. E que esta organização consiga garantir que bons servidores públicos sejam valorizados e tenham asseguradas suas prerrogativas do exercício do cargo e, via de consequência, sejam extirpados aqueles que se utilizam do cargo público como forma de privilégios pessoais.