É conveniente uma Copa América agora?
Embora as opiniões populares estejam divididas, para não falar polarizadas, uma pergunta ainda fica pendente: seria conveniente a realização de um evento esportivo internacional neste momento?
Helton Kramer Lustoza
Procurador do Estado
Professor do Curso de Direito da
UNIPAR
www.heltonkramer.com
Em
meio a alta de casos de infecção e mortes provocadas pela COVID, bem como uma CPI
instituída pelo Senado Federal para apurar as condutas dos governo federal,
somos surpreendidos com a possibilidade da realização de um evento
internacional de futebol. Isso se deve ao fato do governo federal confirmar a
realização da Copa América no Brasil, divulgando que a competição será
disputada no país, um dia depois de escutarem o pedido da Conmebol e da CBF. Por
outro lado, o governador de São Paulo, João Doria, usou as redes sociais para
informar que o estado não receberá jogos da competição, sob o fundamento de que
a Copa América "representaria uma má sinalização do arrefecimento no
controle da transmissão do coronavírus".
Embora
as opiniões populares estejam divididas, para não falar polarizadas, uma
pergunta ainda fica pendente: seria conveniente a realização de um evento
esportivo internacional neste momento?
Primeiramente,
constata-se que o país ainda sofre os efeitos da pandemia, com hospitais
lotados, índices altos de contaminação e risco de sobrecarga dos leitos de UTI.
Inúmeras cidades, incluindo nossa região, estão com restrições bem severas, em
razão do alto índice de internamentos e ausência de estrutura hospitalar.
Em
geral as pessoas discordam das medidas radicais de fechamento do comércio, bem
como os incômodos gerados pela atuação do Poder Público, mas precisamos
compreender o contexto.
É fato notório que a atuação do Estado brasileiro na contenção da pandemia e na proteção da população é imprescindível, ainda que importe em restrições a alguns direitos individuais como há muito tempo não víamos. A cada dia, tem sido apresentadas de forma crescente: isolamento/quarentena compulsórios, realização obrigatória de exames médicos, restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País e fechamento temporário de estabelecimentos comerciais. Não se trata de castigo, a ser perfeitamente individualizado conforme o grau de imputabilidade ou de culpa, mas de medida necessária a diminuir o número de infectados e evitar o colapso do sistema de saúde, levando pessoas à morte simplesmente por não haver condições para que sejam atendidas, por falta de vagas nos hospitais.
Parece ser de fácil argumentação afirmar que, em vez de proibir eventos culturais ou esportivos, seria
melhor aumentar, ainda mais, os leitos de UTI. Para além da questão ideológica
ou política, o aumento no número de doentes pode fazer com que seja
simplesmente inócuo multiplicar leitos de hospitais, por mais que se tente.
Aliás, não apenas o leito em si, mas a logística hospitalar, incluindo a
disponibilidade de profissionais de saúde, são recursos limitados, cedo ou
tarde serão insuficientes, por mais que se invista neles.
Nesse
contexto, argumentar que em vez de adotar medidas restritivas o Estado deveria
aumentar os leitos de UTI soa como defender a liberdade de dirigir alcoolizado
e sem cinto de segurança, entendendo-se que caberia ao Estado remediar
possíveis danos daí decorrentes com a construção de mais hospitais.
As
pessoas reclamam de um Estado excessivamente intervencionista, mas comportam-se
de forma contraditória com essa reclamação, como se precisassem mesmo de um, na
medida em que não reconhecem suas próprias responsabilidades diante do
problema.
Há
certas coisas que não precisariam ser impostas pelos governantes para serem
vistas como necessárias pela sociedade, se esta se deseja emancipar. Se há
impedimento na realização de certos eventos, independente da ideologia
partidária ou política do governante, isso se deve ao fato de que tais medidas são
realmente necessárias, ou, pelo menos, são vistas como tal pelos governantes e
pelos especialistas que os assessoram. Não se trata de insensibilidade, até
porque todos perdem com elas. A questão reside em aferir quais perdas são
maiores: as decorrentes das restrições, ou de sua não decretação.
Frente
a isso que precisamos nos perguntar: é conveniente, neste momento, entender
como correto sediar um evento esportivo, com o ingresso de inúmeras pessoas do
exterior, em nosso território.
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