É conveniente uma Copa América agora?

Embora as opiniões populares estejam divididas, para não falar polarizadas, uma pergunta ainda fica pendente: seria conveniente a realização de um evento esportivo internacional neste momento?

03/06/2021 09H55

Helton Kramer Lustoza

Procurador do Estado

Professor do Curso de Direito da UNIPAR

www.heltonkramer.com

 

Em meio a alta de casos de infecção e mortes provocadas pela COVID, bem como uma CPI instituída pelo Senado Federal para apurar as condutas dos governo federal, somos surpreendidos com a possibilidade da realização de um evento internacional de futebol. Isso se deve ao fato do governo federal confirmar a realização da Copa América no Brasil, divulgando que a competição será disputada no país, um dia depois de escutarem o pedido da Conmebol e da CBF. Por outro lado, o governador de São Paulo, João Doria, usou as redes sociais para informar que o estado não receberá jogos da competição, sob o fundamento de que a Copa América "representaria uma má sinalização do arrefecimento no controle da transmissão do coronavírus".

Embora as opiniões populares estejam divididas, para não falar polarizadas, uma pergunta ainda fica pendente: seria conveniente a realização de um evento esportivo internacional neste momento?

Primeiramente, constata-se que o país ainda sofre os efeitos da pandemia, com hospitais lotados, índices altos de contaminação e risco de sobrecarga dos leitos de UTI. Inúmeras cidades, incluindo nossa região, estão com restrições bem severas, em razão do alto índice de internamentos e ausência de estrutura hospitalar.

Em geral as pessoas discordam das medidas radicais de fechamento do comércio, bem como os incômodos gerados pela atuação do Poder Público, mas precisamos compreender o contexto.

É fato notório que a atuação do Estado brasileiro na contenção da pandemia e na proteção da população é imprescindível, ainda que importe em restrições a alguns direitos individuais como há muito tempo não víamos. A cada dia, tem sido apresentadas de forma crescente: isolamento/quarentena compulsórios, realização obrigatória de exames médicos, restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País e fechamento temporário de estabelecimentos comerciais. Não se trata de castigo, a ser perfeitamente individualizado conforme o grau de imputabilidade ou de culpa, mas de medida necessária a diminuir o número de infectados e evitar o colapso do sistema de saúde, levando pessoas à morte simplesmente por não haver condições para que sejam atendidas, por falta de vagas nos hospitais.

Parece ser de fácil argumentação afirmar que, em vez de proibir eventos culturais ou esportivos, seria melhor aumentar, ainda mais, os leitos de UTI. Para além da questão ideológica ou política, o aumento no número de doentes pode fazer com que seja simplesmente inócuo multiplicar leitos de hospitais, por mais que se tente. Aliás, não apenas o leito em si, mas a logística hospitalar, incluindo a disponibilidade de profissionais de saúde, são recursos limitados, cedo ou tarde serão insuficientes, por mais que se invista neles.

Nesse contexto, argumentar que em vez de adotar medidas restritivas o Estado deveria aumentar os leitos de UTI soa como defender a liberdade de dirigir alcoolizado e sem cinto de segurança, entendendo-se que caberia ao Estado remediar possíveis danos daí decorrentes com a construção de mais hospitais.

As pessoas reclamam de um Estado excessivamente intervencionista, mas comportam-se de forma contraditória com essa reclamação, como se precisassem mesmo de um, na medida em que não reconhecem suas próprias responsabilidades diante do problema.

Há certas coisas que não precisariam ser impostas pelos governantes para serem vistas como necessárias pela sociedade, se esta se deseja emancipar. Se há impedimento na realização de certos eventos, independente da ideologia partidária ou política do governante,  isso se deve ao fato de que tais medidas são realmente necessárias, ou, pelo menos, são vistas como tal pelos governantes e pelos especialistas que os assessoram. Não se trata de insensibilidade, até porque todos perdem com elas. A questão reside em aferir quais perdas são maiores: as decorrentes das restrições, ou de sua não decretação.

Frente a isso que precisamos nos perguntar: é conveniente, neste momento, entender como correto sediar um evento esportivo, com o ingresso de inúmeras pessoas do exterior, em nosso território. 

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