Ainda haverá espaço para um Estado liberal?

Se por um lado não se acredita na solução de um Estado puramente liberal, também não se defende que deveria haver um modelo de Estado centralizado, fechado e extremamente paternalista.

30/05/2020 10H15

Helton Kramer Lustoza

Procurador do Estado 

Professor do Curso de Direito da UNIPAR 

www.heltonkramer.com


É notório o aumento de gastos públicos para o enfrentamento da COVID-19, sendo classificada como medida necessária e urgente na opinião de economistas de diferentes correntes de pensamento. Mesmo entre os pensadores liberais mais radicais - que defendem uma menor presença do Estado no âmbito econômico – insistem na necessidade de uma atuação estatal para evitar o fechamento de empresas.

Em vários momentos da história mundial volta-se ao debate acerca do melhor modelo de Estado frente as adversidades econômicas e sociais. E agora não será diferente! Estamos enfrentando um período difícil em que se coloca de um lado a necessidade do Estado combater um vírus que ainda não há vacina/remédio e, de outro, a necessidade em se garantir empregos, manter a saúde financeiras de empresas e garantir a subsistência de pessoas vulneráveis. 

Na sua essência, a corrente liberal clássica tem como norte a defesa da tese de que não caberia ao Estado atrapalhar o processo de desenvolvimento das pessoas e da economia, defendendo que a presença estatal deveria ser a mais neutra possível, dando força a famosa ideologia liberal do laissez-faire, laissez-passer. Assim, dentro de uma concepção liberal, o Estado não teria participação significativa nas  atividades económicas.

Ocorre que fatos recentes demonstram que a presença de um Estado prestacional é mais do que necessária, especialmente com medidas de contenção sanitária e de fomento da economia. Em um ambiente de crise, até mesmo em sociedades reconhecidamente como liberais, temos presenciado intervenções estatais a fim de assegurar estabilidade econômica, que até  então pertenceriam ao núcleo da auto-regulação do mercado. 

Na opinião do diretor da Faculdade de Economia e Administração da PUC-SP, Antonio Correa de Lacerda, será preciso quebrar paradigmas para amenizar os efeitos da crise sobre a economia, devendo reconhecer o Estado como um agente indispensável na adoção de um conjunto de políticas e medidas anticrise.  Defende o Professor Antonio Correa que as políticas a serem adotadas no Brasil implicarão um custo da ordem de R$ 500 bilhões, ou o equivalente a 7% do PIB no ano. 

Neste momento, ao lado das políticas sanitárias, visualiza-se um Estado fortemente influenciado pelas doutrinas económicas do britânico John Keynes, economista que teve suas teses aplicadas na recuperação americana após a crise de 1929. As ideias do economista suscitam ainda um enorme debate, desde suas propostas de utilizar o gasto público para reativar o crescimento e sobre o Estado de bem-estar social.  Rejeitava especialmente a ideia de que o mercado se reequilibra sozinho, sendo que em sua famosa obra “A teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, Keynes defendeu um papel atuante do poder público, com a utilização de políticas fiscais para o alcance do pleno emprego e, via de consequência, o equilíbrio da economia nacional. 

Se por um lado se mostram populares e simpáticas as medidas liberais como o corte de salários de servidores públicos, redução da presença do Estado na prestação de serviços públicos e na atividade económica, por outro, sozinhas, seriam insuficientes para resolver o problema. A tese de que a solução estaria somente na redução do Estado já se mostrou insuficiente para controlar as crises mundiais, conforme ficou demonstrando na história com a quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929 e volta-se a se colocar em cheque na crise pós COVID-19.

Se por um lado não se acredita na solução de um Estado puramente liberal, também não se defende que deveria haver um modelo de Estado centralizado, fechado e extremamente paternalista. A resposta está na própria Constituição Federal, onde seu art. 170 e 174 definem que aplica-se – dentre outros - o princípio da livre iniciativa, mas respeitando o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, que deverá cumprir seu papel na garantia de uma segurança jurídica e estabilidade social.

Em um país com tamanhas desigualdades regionais como o Brasil, o Estado assume importante papel no desenvolvimento do tecido social e econômico local. Em razão disso é a que se exige uma intervenção estatal estritamente necessária à realização daquilo que o Estado se propõe a fazer, exigindo esforços, tanto do poder público, quanto do mercado, para conciliar as conquistas oriundas do constitucionalismo moderno.

Acima do debate se o Estado brasileiro é liberal ou social, coloca-se a necessidade de que haja um dirigismo estatal no sentido de que possa criar um ambiente propício para que as empresas voltem a investir com segurança, os trabalhadores retornem aos seus empregos e tenhamos condições de enfrentar os problemas sociais existentes. 

Com o retorno à normalidade, haverá a necessidade de que os governantes (dos três Poderes) literalmente “caiam na real” e realizem um pacto de governabilidade, onde coloquem efetivamente os interesses da nação acima dos interesses individuais. A situação exige uma posição construtivista do poder público, de modo que os atos estatais sejam elaborados de forma contínua e direcionados à retomada do desenvolvimento econômico e do bem comum. 


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