A importância do caminho Ético

A origem da palavra cuidado vem de “cura” e era expressada no contexto de amor e amizade, e, nesse contexto, o cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim, diz Leonardo Boff

12/07/2021 19H07

foto: reprodução/arquivo

Luís Irajá Nogueira de Sá Júnior

Advogado no Paraná - Palestrante

Professor do Curso de Direito da UNIPAR

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Caio Júlio Higino (64a.C. – 17d.C.), foi filósofo, professor e escritor da Roma Antiga, discípulo de Alexandre, o polímata e amigo se Sêneca. Denominado em muitas fontes “o liberto de Augusto”, por seu humilde passado de escravo, conseguiu, com seu talento e saber, alcançar altos postos, conquistando o respeito da intelectualidade de sua época. Dentre suas obras, se destaca um livro sobre fábulas, que contém relatos sobre mitologia e outro sobre astronomia. É de sua lavra a “Fábula-Mito do Cuidado”, que narramos a seguir:

“Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma ideia inspirada. Tomou um pouco do barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter. Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado. Quando, porém, Cuidado quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse imposto o seu nome. Enquanto Júpiter e Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a Terra. Originou-se então uma discussão generalizada. De comum acordo pediram a Saturno que funcionasse como árbitro. Este tomou a seguinte decisão que pareceu justo: ‘Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta este espírito por ocasião da morte dessa criatura. Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto, também de volta seu corpo quando essa criatura morrer. Mas como você, Cuidado, foi quem, por primeiro, moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver.  E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa terra fértil’”.

A origem da palavra cuidado vem de “cura” e era expressada no contexto de amor e amizade, e, nesse contexto, o cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim, diz Leonardo Boff. Por conseguinte, não temos cuidado, mas, somos cuidados desde o nascimento até a morte. Certo é que todos temos o potencial de nos conectarmos com a Energia suprema que habita no universo e no coração humano, e, portanto, capazes de cuidar e/ou melhorar nosso entorno (agir com ética).

Vivemos tempos difíceis, aqui no Brasil e no mundo todo. O desequilíbrio nas relações interpessoais se agravou (egoísmo, ganancia, discriminação, intolerância, preconceito, exclusão, destruição do planeta, obsessão pelo poder, etc.), relegando o ser humano há “coisa descartável”. Convém, lembrar, que somos seres espirituais, corporais e psíquicos, e, precisamos de cuidados em todas estas dimensões. Ensina Leonardo Boff: “O que opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro”. Logo, o cuidado é a essência humana. A Mãe-Terra que nos acolhe, como elemento primordial e latente, clama pela reformulação das atitudes humanas (atitudes éticas), quais sejam, mais responsabilidade e mais solidariedade.

No entanto, o que vemos no dia a dia, em muitos casos, no nosso país, é o caminho inverso (a degradação do ser humano). A natureza humana adulterada, com dificuldade de se adaptar aos limites da moralidade, da decência e da honestidade. Levar vantagem em tudo e sobre todos passou a ser a regra (a falta de ética). Esse comportamento do homem/mulher em família, no trabalho, na política e na convivência social, revela o descuido e o descaso com o outro. O descaso com a nossa casa (planeta terra). O ser humano precisa reencontrar seu equilíbrio (mente, corpo e espírito), e, se cuidar e cuidar do outro.

Caio Higino nos ensina com sua “fábula-mito do Cuidado” que: “O essencial é invisível. É o sentimento que torna pessoas, coisas e situações importantes para nós. Esse sentimento profundo se chama Cuidado”. A pandemia agravou o conflito íntimo das pessoas. O abandono, a fome, o desemprego e a violência afloraram. O medo tomou conta de muitos. Comportamentos ilícitos, imorais e antiéticos passaram a ser corriqueiro na vida de muitos. Por conseguinte, sequelas psicológicas gravíssimas (ansiedade, depressão, síndrome do pânico, etc.), passaram a atormentar o indivíduo. Será mesmo que é esse o caminho da vida?  É preciso, com urgência, evocar a “cura”, ou seja, o cuidado!

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